Albinismo Sem Fronteiras: Uma luta unificada contra o cancro da pele
O PERCURSO DE JOSELITO COMO PESSOA COM ALBINISMO
Oiça a versão áudio da história de Joselito (em português)
O meu nome é Joselito Pereira da Luz e venho da vibrante cidade de Santo António de Jesus, na Bahia, Brasil. Quero partilhar o meu percurso como pessoa com albinismo que vive num mundo que parece cada vez mais hostil devido à crescente exposição aos raios ultravioleta (UV) associada às alterações climáticas. A minha vida tem sido uma tapeçaria tecida com os fios da resiliência, da comunidade e da defesa de direitos, costurados pelas experiências dolorosas, mas transformadoras, que enfrentei.
Como homem afro-brasileiro, sempre encontrei força na minha identidade e comunidade. Pertenço ao movimento de pessoas com albinismo e ao movimento mais alargado pelos direitos das pessoas com deficiência. Esta intersecção de identidades informa a minha perspetiva e alimenta a minha paixão pela mudança. Sou um membro orgulhoso da APALBA, a Associação de Pessoas com Albinismo na Bahia, uma organização dedicada à defesa dos direitos da nossa comunidade. Juntos, pretendemos abordar as questões sociais enfrentadas pelos indivíduos com albinismo e trabalhar em prol de políticas públicas que nos incluam.
A viagem não foi isenta de desafios. Lembro-me da minha própria infância, numa altura em que nem sequer sabia que tinha albinismo. Cresci sem acesso a informação ou equipamento de proteção e senti-me muitas vezes inferior por causa da minha condição. Foi apenas através da descoberta do poder coletivo da defesa de causas que comecei a abraçar a minha identidade. Inspirei-me na Dra. Shirley Cristina Moreira, uma dermatologista cuja compaixão desencadeou a criação da APALBA. A sua visão e dedicação motivaram-me a empenhar-me na luta pelos nossos direitos, por um futuro em que as crianças com albinismo possam crescer com dignidade e apoio.
Lembro-me da minha própria infância, numa altura em que nem sequer sabia que tinha albinismo. Cresci sem acesso a informação ou equipamento de proteção e senti-me muitas vezes inferior por causa da minha condição.
O Brasil é um país caracterizado pelo seu calor extremo e, à medida que a poluição e, consequentemente, a exposição aos raios UV se agravam, indivíduos como eu ficam vulneráveis.
A falta de uma ação estatal adequada para garantir a nossa segurança neste domínio é desanimadora.
Ao longo dos anos, tenho notado uma mudança gradual, mas inegável, no meu ambiente. Os Verões são mais quentes, o sol mais implacável e as consequências destas mudanças começaram a afetar profundamente a minha vida. A minha participação em eventos sociais diminuiu; retirei-me para as sombras, limitando as minhas interações com o mundo. Houve uma altura em que podia desfrutar do sol, mas agora sinto-me como se estivesse preso numa caldeira onde os raios UV são retidos e intensificados. A alegria de estar ao ar livre é ofuscada por uma necessidade constante de me proteger dos raios solares nocivos.
Para as pessoas com albinismo, ganhar a vida, para além das múltiplas barreiras socioeconómicas, significa enfrentar todos os dias os efeitos diretos das alterações climáticas. Somos obrigados a sair de casa, a trabalhar, a lutar por uma vida digna, a aventurarmo-nos apenas para sobreviver. No entanto, cada dia passado ao ar livre é uma aposta perigosa.
A minha rotina diária transformou-se numa série de precauções. Uso vestuário de proteção, passo protetor solar e protejo o rosto com um chapéu e um guarda-chuva sempre que saio de casa. O custo financeiro, físico e emocional destas medidas tem sido significativo. Tive um aumento de lesões cutâneas pré-malignas e malignas, o que obrigou a visitas frequentes a especialistas. Estas visitas implicam um encargo financeiro que pesa muito no meu orçamento, já de si limitado.
Dou por mim a gastar mais em protectores solares e em tratamentos de prevenção do cancro da pele, ao mesmo tempo que me confronto com a realidade de que muitas pessoas na minha comunidade não estão conscientes dos perigos colocados pelas alterações climáticas e pela exposição aos raios UV.
No meu bairro de Brotas, onde as comunidades da classe média e da classe trabalhadora se cruzam, o tema do risco de exposição aos raios UV raramente é discutido. A maioria das pessoas não se apercebe das vulnerabilidades únicas enfrentadas por aqueles de nós com albinismo. Muitas vezes, tenho uma sensação de isolamento, como se estivesse a enfrentar este desafio sozinho. No entanto, a minha missão é mudar esta narrativa. Através da APALBA e do Coletivo Nacional de Pessoas com Albinismo (CNPA), tomámos medidas para sensibilizar e defender a nossa comunidade e as pessoas com albinismo a nível nacional.
Um dos momentos de maior orgulho do meu percurso de ativista foi a colaboração com um laboratório farmacêutico para distribuir protetor solar a cerca de 500 pessoas com albinismo no Brasil.
Além disso, estabelecemos parcerias com empresários do sector privado para fornecer camisolas de proteção UV e acesso a cuidados médicos especializados. São estes esforços colectivos que me dão esperança, lembrando-me que podemos criar mudanças quando trabalhamos em conjunto.
No meu papel de líder, tenho testemunhado o poder da nossa voz colectiva. Organizámos seminários e transmissões em direto para educar os outros sobre os riscos associados à exposição aos raios UV e a necessidade de medidas de proteção.
Uma das nossas vitórias significativas foi a aprovação da Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Albinismo em 2023 pelo Conselho Nacional de Saúde. Esta política representa um farol de esperança, um compromisso para garantir que os indivíduos com albinismo recebam os cuidados e o apoio de que tanto necessitamos.
Mas a jornada está longe de terminar. A falta de políticas públicas em muitas regiões do Brasil faz com que os avanços sejam lentos e desiguais. Temos 27 estados e mais de 1.600 municípios, e a implementação da nossa política nacional só começou em algumas localidades. Mesmo assim, continuo otimista. Estamos formando um Grupo de Trabalho Nacional para discutir a implementação da política pública aprovada em 2023, e estou empenhada em garantir que cada pessoa com albinismo no Brasil saiba que não está sozinha nessa luta.
Se eu pudesse transmitir uma mensagem à geração mais jovem, seria a de que a mudança é possível. Não somos definidos pelas nossas condições; em vez disso, podemos ultrapassar essas condições e criar uma comunidade de apoio. "Nada sobre nós sem nós" e "Tudo connosco" - estas palavras originárias do movimento das pessoas com deficiência ressoam profundamente no meu coração. Recordam-nos que a nossa capacidade de exigir mudanças assenta na nossa ação colectiva.
Ao olhar para o futuro, o meu apelo à ação vai para além do Brasil. A luta pelos direitos humanos deve ser global. Precisamos de uma frente unida, uma aliança que transcenda as fronteiras e reúna os defensores dos direitos das pessoas com albinismo em todo o mundo. Devemos trabalhar juntos para garantir que nossas vozes sejam ouvidas, nossas necessidades sejam atendidas e nossas vidas sejam valorizadas.
Face ao aumento da exposição aos raios UV e às alterações climáticas, mantenho-me firme na minha determinação. Sou Joselito, uma pessoa com albinismo, e continuarei a defender a minha comunidade. Juntos, vamos iluminar os problemas que enfrentamos e, com união e determinação, vamos criar um mundo onde todos, independentemente da sua condição, possam prosperar.
Sobre Joselito Pereira da Luz
Joselito Pereira da Luz é graduado em Direito pela UNIFTC Salvador. É membro da Coordenação Provisória da Associação de Pessoas com Albinismo no Brasil - APALBA (em fase de Fundação); Articulador do Coletivo Nacional de Pessoas com Albinismo (CNPA), membro do Conselho Fiscal da Associação de Pessoas com Albinismo da Bahia (APALBA), membro do Conselho Estadual de Saúde da Bahia. É também membro do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Bahia.